No Dia da Visibilidade Trans, advogados da OABRJ se queixam da baixa empregabilidade
No país que elegeu governantes da extrema-direita conservadora que apregoam que meninos devem vestir azul e meninas, rosa, é constante a queda de braço travada por grupos que defendem a cidadania das pessoas trans, abreviação de “transgêneros”, indivíduos que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído quando nasceram.
Estão neste grupo travestis, transexuais (homens e mulheres trans) e pessoas não-binárias (que não se reconhecem nem como homens nem como mulheres).
Em novembro de 2020, uma semana depois de o Brasil bater o recorde de pessoas trans eleitas nos pleitos municipais, novos dados do Trans Murder Monitoring (“Observatório de Assassinatos Trans”, em inglês) apontaram que, apenas nos primeiros nove meses de 2020, 124 pessoas transexuais foram mortas no país, o que nos coloca no topo do ranking dos mais violentos para essa população pelo 12º ano consecutivo.
Neste dia 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans, integrantes desse recorte da advocacia fluminense e aliados reforçam a importância simbólica da existência do Grupo de Trabalho Transfeminilidades da OAB Mulher, criado em 2019, quando a comissão era presidida por Marisa Gaudio, numa iniciativa pioneira no sistema OAB; e da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OABRJ, instituída em 2010, pouco tempo depois do passo inédito dado pela OAB de Pernambuco. Ambas seccionais incentivadas por Maria Berenice Dias, maior referência nacional em Direito Homoafetivo.
Junto com a ampliação dos espaços de participação institucional, a OABRJ adota medidas que combatem o preconceito e a discriminação contra os grupos LGBTI+, como, por exemplo, a adoção do nome social na carteira de identificação profissional da advocacia, e os inúmeros eventos promovidos pela Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OABRJ.
“A Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero tem trabalhado em conjunto com outras instituições para visibilizar e ampliar as discussões sobre os avanços e retrocessos relacionados aos direitos das pessoas travestis e transexuais, em particular no Conselho Estadual LGBT e a partir de consultas realizadas por organizações da sociedade civil e intergovernamentais”, conta o presidente da comissão, Henrique Rabello de Carvalho.
“Lamentavelmente, o Brasil ainda lidera as estatísticas de assassinato de pessoas travestis e transexuais e a discriminação estrutural ainda impede muitas estudantes de Direito e advogadas/os transgêneros de vivenciarem plenamente os direitos básicos de cidadania, o que se reflete em dificuldades de retificação no registro civil, acesso e permanência no mercado de trabalho e nas instituições de ensino”.
“Lamentavelmente, o Brasil ainda lidera as estatísticas de assassinato de pessoas travestis e transexuais e a discriminação estrutural ainda impede muitas estudantes de Direito e advogadas/os transgêneros de vivenciarem plenamente os direitos básicos de cidadania, o que se reflete em dificuldades de retificação no registro civil, acesso e permanência no mercado de trabalho e nas instituições de ensino”. – Henrique Rabello de Carvalho
Estima-se que 90% da população trans do país tenha a prostituição como atividade profissional compulsória (Segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Antra). A coordenadora do GT Feminilidades da OAB Mulher, Giowana Cambrone, afirma que a empregabilidade da população trans é ainda um tabu, inclusive na advocacia.
“No meio jurídico, os grandes escritórios não contratam pessoas trans para as suas bancas e o preconceito prevalece entre os clientes, como se a condição de ser trans fosse um impeditivo para o êxito de uma causa. É importante construir a ideia de que ser trans não afeta a competência de um advogado ou advogada e dar visibilidade a esses profissionais”, ressalta Giowana.
Tatiana Crispim é a primeira advogada negra trans do Brasil pós-graduada em Direito Militar. É inscrita na OABRJ e atuante no GT. Ela conta que o preconceito não é declarado, mas percebido por olhares cruéis que parecem querer expulsar pessoas com marcadores identitários como os dela de certos espaços profissionais.
“A maior dificuldade é ser vista como humana e capaz de possuir o conhecimento jurídico, pois nós pessoas trans ainda somos vistas como objetos noturnos e apenas para satisfação sexual. A luta é diária e constante para mostrar nossa capacidade intelectual”, diz Tatiana Crispim.
As duas advogadas trans identificam “um movimento revolucionário de ocupação de espaços de poder” por essa população que foi acelerado nos últimos dez anos. A invisibilidade, o silenciamento e a exclusão continuam sendo obstáculos, mas o caminho emancipatório que leva ao reconhecimento de pessoas trans como sujeitos de direito é sem volta.
“Combinaram que o destino de pessoas trans era a marginalidade e as esquinas em pontos de prostituição e nós combinamos de ocupar universidades e tribunais”, sentencia Giowana.
O GT alcança também uma forte importância simbólica ao declarar para a sociedade que as mulheres trans são merecedoras de representatividade, respeito e garantia de direitos integrais como qualquer mulher. Ao reconhecer status e a ‘mulheridade’ inclusive das advogadas trans, o GT as inclui em discussões sobre violência de gênero, a representatividade nos espaços de poder e assédio, por exemplo.
“Elas precisam ser tratadas de forma igualitária independentemente do órgão sexual com o qual nasceram. Se ela se identifica como mulher, precisa ter seus direitos protegidos”, analisa a presidente da OAB Mulher, Rebeca Servaes.
A data de 29 de janeiro foi designada por causa do lançamento oficial da campanha “Travesti e Respeito”, promovida pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, em 2004, um marco para a luta histórica protagonizada por militantes travestis.
As informações são da OAB Rio de Janeiro / Imagens: OAB Rio de Janeiro