MINISTÉRIO PÚBLICO

Ministério Público Federal vê acordo inédito entre mineradora e atingidos de Itatiaiuçu

A mineradora Arcelor Mittal assinou ontem (7) um acordo para indenização e reparação integral dos danos causados a moradores de Itatiaiuçu (MG). Há famílias que estão fora de suas casas desde fevereiro de 2019 devido aos riscos de rompimento de uma barragem. Centenas de pessoas já foram afetadas pelas remoções na região.

Serão pagos valores referentes à privação do acesso à suas moradias, paralisação de atividades econômicas e agropecuárias, danos morais e danos coletivos. Nas negociações, os atingidos contaram com o apoio da Aedas, entidade que eles escolheram como assessoria técnica. Segundo nota divulgada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que também participaram do acordo, foram pactuadas diversas medidas inéditas.

“É um resultado emblemático em termos de negociação envolvendo os direitos de pessoas atingidas por barragens, porque, ao levar em conta o princípio da centralidade do sofrimento dos atingidos como eixo norteador de todas as suas cláusulas, conseguiu alcançar critérios de reparação bastante favoráveis, em termos de justiça material e moral relacionada a conflitos socioambientais envolvendo a atividade de mineração”, registra o texto.

Para o MPF, foram fundamentais a participação ativa dos atingidos e o comprometimento da Arcelor Mittal com o diálogo. Segundo a instituição, a busca por soluções consensuais e extrajudiciais em casos similares, na maioria das vezes, não evolui devido à conduta das mineradoras.

Como ocorreu em outras cidades, a evacuação em Itatiaiuçu se deu como desdobramento da tragédia de Brumadinho (MG), quando uma barragem da Vale se rompeu em janeiro de 2019 causando 270 mortes e gerando impactos socioeconômicos e ambientais em diversos municípios. Para prevenir episódios similares, estruturas de mineração em todo o estado passaram por um pente-fino por meio de vistorias da Agência Nacional de Mineração (ANM), ações de fiscalização do MPMG e do MPF e até por iniciativa das próprias mineradoras. Nos casos em que as evacuações foram determinadas, os atingidos foram encaminhados para hotéis ou para moradias temporárias alugadas pela mineradora responsável.

Em Itatiaiuçu, a situação decorre dos riscos envolvendo a barragem da Mina Serra Azul. Inicialmente, cerca de 50 famílias foram retiradas do distrito de Pinheiros e dos povoados de Vieiras e Lagoa das Flores. Sítios e chácaras que eram usados por seus donos nos fins de semana também ficaram interditados. Posteriormente, outras remoções foram feitas diante de estudos que mostraram uma área mais extensa a ser inundada em caso de rompimento. Foram cadastradas 655 famílias atingidas, que tiveram algum tipo de prejuízo.

Aquelas que têm propriedades parcialmente afetadas e que não foram desalojadas poderão escolher entre uma indenização proporcional ou a venda do imóvel à mineradora. Já aquelas que moravam na área que foi evacuada terão duas opções: receber uma indenização integral referente ao valor do imóvel ou aderir a um programa de compra assistida para adquirir uma nova casa. Em todo caso, elas permanecerão donas das propriedades na zona afetada e poderão ter acesso novamente a elas no futuro.

Não há, no entanto, previsão para que a área seja liberada, o que depende da descaracterização da barragem do complexo Serra Azul. Ela foi construída pelo método de alteamento a montante, o mesmo da estrutura que se rompeu em Brumadinho e também da que provocou outra tragédia de grande proporções em 2015 na cidade de Mariana (MG). A tecnologia foi banida no estado por força Lei Estadual 23.291/2019 e as barragens que a empregam devem ser obrigatoriamente descaracterizadas. Em âmbito nacional, a ANM editou uma resolução com determinação similar.

Segundo a Arcelor Mittal, a barragem da Mina Serra Azul está desativada desde 2012 e, para viabilizar a descaracterização, será construída previamente uma estrutura de contenção capaz de reter os rejeitos em caso de rompimento. A mineradora afirma que faz monitoramento 24 horas por dia e não tem havido alterações nos indicadores de segurança.

Perda de renda e danos morais

O acordo também define valores a partir de R$27,1 mil para quem perdeu o cultivo de hortas e frutas. Além disso, os atingidos que tiveram perda de renda irão receber a soma do rendimento médio mensal equivalente a quatro anos.

Os danos morais serão pagos de forma individual, com valor mínimo de R$ 10 mil por pessoa. No ano passado, juntamente com a Aedas, os atingidos apresentaram uma proposta de matriz de danos estabelecendo parâmetros para a reparação. O documento foi para a mesa de negociação. Ele subsidiou a criação de subcategorias – sofrimento psíquico; relações de vizinhança; relações familiares e restrições à locomoção – que serão consideradas para o cálculo do valor referente aos danos morais. Para a demonstração da ocorrência de algumas delas, o depoimento pessoal da pessoa atingida será considerado suficiente.

Além disso, ficou decidido que os danos coletivos serão objeto de um acordo mais amplo que ainda será firmado. No entanto, foi pactuado um adiantamento do pagamento com o objetivo de fomentar a economia local e estimular a geração de renda. Pelos próximos 12 meses, 655 famílias receberão 2,5 salários mínimos. “A partir da assinatura do termo, as partes darão início às negociações individuais com as famílias atingidas. O acordo extrajudicial possibilita que o processo de indenização ocorra de forma menos burocrática e mais ágil”, informa a mineradora.

Os atingidos chegaram a criticar a morosidade das negociações. No mês passado, o descontentamento os levou a organizar uma carreata onde apresentaram diversas reivindicações: valor justo para danos morais e pagamentos por pessoa removida e não por família, reconhecimento da desvalorização de imóveis que não foram evacuados, reparação para pontos comerciais inviabilizados, garantia de auxílio financeiro por pelo menos 5 anos para possibilitar a retomada das atividades econômicas paralisadas, entre outras.

Em nota, o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) considerou que o acordo é uma conquista e que os avanços decorreram da luta e da construção coletiva. No entanto, avaliou que a mineradora buscou reduzir valores e direitos. Também lamentou o não reconhecimento da desvalorização dos imóveis que não foram atingidos.

A nota do MAB registra, por outro lado, alguns avanços como o reconhecimento dos caseiros e inquilinos como atingidos. “Esse é também o primeiro caso que nós conhecemos em que a indenização pela impossibilidade de uso da residência não implicou na perda da propriedade. A população comemora os passos dados, mas também afirma que continuará em luta pelos seus direitos”, acrescenta.


As informações são da Agência Brasil

Guilherme Peara

Advogado e empresário na área da Comunicação. Graduado em Direito pela PUC Goiás, pós-graduado em Gestão Estratégica de Marketing pela HSM University.

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