ECONOMIAPOLÍTICA

Analistas explicam mudanças na ‘LDO da pandemia’

O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado pelo Congresso Nacional na última quarta-feira (16)  é bastante diferente da versão que saiu do Palácio do Planalto em abril. Estudando o texto (PLN 9/2020), analistas do Senado identificam as principais mudanças e explicam o que esperar do Orçamento no contexto da pandemia de Covid-19.

A principal alteração diz respeito à meta de resultado primário para o Orçamento de 2021 — o resultado obtido ao subtrair as despesas das receitas, sem contar a contratação ou pagamento de dívida pública. Originalmente, a LDO para o próximo ano previa uma meta fiscal flexível, em vez de um número exato. O Ministério da Economia justificou a decisão afirmando que os efeitos do isolamento social sobre a atividade econômica impediam um cálculo preciso da arrecadação.

Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), explica que a ideia de uma meta flexível contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000) e não poderia vingar. Em lugar disso, o governo corrigiu o texto para estimar uma meta fixa, que o Congresso aprovou: deficit de R$ 247 bilhões.

Em seu relatório de acompanhamento fiscal de dezembro, a IFI havia previsto um resultado negativo de R$ 218 bilhões. Para Salto, o deficit maior previsto pelo governo já é uma forma de antecipar gastos com o combate à pandemia em 2021.

— Possivelmente, o texto já contempla despesas novas, como as relacionadas a vacinas e mesmo a alguma prorrogação do auxílio emergencial. A fixação da meta, no lugar de uma meta flutuante, que contrariava a LRF, é o ponto fundamental.

Além disso, o relator da LDO, senador Irajá (PSD-TO), explicou no seu relatório que o deficit já contempla a queda da receita da Previdência Social com a redução da contribuição sobre a folha de pagamento, decidida neste ano (Lei 14.020, de 2020).

Irajá afirma, ainda, que o governo recalculou a meta em decorrência de mudanças nas projeções de indicadores por conta da crise econômica causada pela pandemia. As estimativas fiscais são negativas também para 2022 e 2023 em todas as esferas da União, exceto para estados e municípios, que devem ter resultados positivos no período, ainda que modestos.

Segundo o consultor legislativo Flávio Luz, outra mudança relevante ficou por conta da projeção individualizada do resultado primário de estados e municípios. Esses resultados não poderão mais ser compensados com os da União, como ocorria em exercícios anteriores. Assim, a meta dos estados e municípios terá que constar na LDO de cada um. A meta do governo federal fica independente.

LDO – TRAJETÓRIA ESTIMADA DO RESULTADO PRIMÁRIO PARA O PERÍODO 2021-2023
O projeto do governo estima déficits em todos os setores da União
Esfera de governo202120222023
R$ bilhões% PIBR$ bilhões% PIBR$ bilhões% PIB
Governo central-247,12-3,16-178,93-2,14-150,13-1,68
Estatais federais-3,97 -0,05-4,23-0,05-4,52-0,05
Setor público não-financeiro*-250,89-3,21-177,86-2,13-148,95-1,67
Estados, DF e municípios**0,200,005,300,065,700,06
*Todas as empresas públicas federais, estaduais e municipais, exceto bancos, distribuidoras de títulos, corretoras e demais companhias com permissão para atuar no mercado financeiro.
**Meramente um indicativo, porque cada ente federado terá a própria meta registrada na sua LDO.
Fontes: Ministério da Economia e parecer do senador Irajá (PSD-TO) ao PLN 9/2020.

Prioridades

Irajá também mexeu nas prioridades orçamentárias sinalizadas pela LDO, expandindo a lista de afazeres do Executivo. O projeto original já indicava a agenda para a primeira infância e os investimentos em andamento previstos no Plano Plurianual 2020-2023 (Lei 13.971 de 2019). O relator acrescentou o programa Casa Verde e Amarela, nova política habitacional do governo federal, nos municípios de até 50 mil habitantes.

Embora o Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional 95), do teto de gastos, já defina os recursos mínimos a serem aplicados em ações e serviços públicos de saúde, o relatório de Irajá acrescentou que o pagamento de custeio a consórcios municipais vindos de emendas parlamentares não estará sujeito ao teto de transferência do município sede do consórcio.

Outra novidade do relatório é que os municípios com população inferior a 50 mil habitantes que estejam inadimplentes com o governo federal poderão receber transferências voluntárias (cooperação, auxílio ou assistência financeira não prevista na Constituição ou destinada ao Sistema Único de Saúde).

Para Flávio Luz, essas mudanças sugerem uma preocupação especial da LDO 2021 com os municípios de menor população.

— Pode-se verificar em diversos pontos do substitutivo o foco do relator em promover uma maior cooperação federativa — afirma.

Irajá também incluiu item proibindo o cancelamento dos chamados restos a pagar — recursos reservados para despesas cujo pagamento ficou para o ano seguinte — até o limite do convênio ou contrato.

Cenários

A LDO não prevê aumento real para o salário mínimo, que atualmente está em R$ 1.045, apenas a reposição da inflação. Ele deverá ser de R$ 1.088 em 2021, R$ 1.123 em 2022 e R$ 1.163 em 2023. O projeto ainda prevê franco crescimento da taxa básica de juros da economia, dos atuais 2% para 5,2% em 2023. Os índices de inflação IPCA (oficial), INPC e IGP-DI devem manter-se entre 3% e 4%. Até setembro, o aumento do IPCA medido pelo IBGE para 2020 está em 3,14%.

Quanto ao PIB, está previsto um crescimento de 3,2% em 2021 e de 2,5% nos dois anos seguintes. Para efeito de comparação, a previsão para o PIB de 2020 feita pela IFI é de uma queda de 5%. O levantamento periódico feito junto ao mercado pelo Banco Central (Boletim Focus) projeta aproximadamente os mesmos números. Já para 2021 a estimativa da IFI é de um crescimento de 2,8%, abaixo da prevista pelo governo, portanto.

Flávio Luz ressalta que esses parâmetros, sendo apenas projeções, não têm força de lei. O reajuste do salário mínimo em 2021, por exemplo, depende do IPCA de 2020, ainda não consolidado. Outros índices, como o câmbio, também flutuam de acordo com o momento econômico.

LDO 2021: ESTIMATIVAS MACROECONÔMICAS PARA O PERÍODO 2021-2023
O Orçamento de 2021 deve ser elaborado considerando como diretrizes os índices calculados para o triênio
Estimativa                                                                                   202120222023
Taxa Selic acumulada ano (%)                                                                                                           2,13,75,2
IGP-DI acumulado (%)                                                                                                                 4,44,03,5
INPC acumulado (%)                                                                                                               3,23,53,4
IPCA acumulado (%)                                                                                                               3,23,53,2
Massa Salarial Nominal (%)                                                                                                      5,07,87,0
PIB nominal (R$ bilhões)                                                                                7.811,48.352,28.911,5
PIB real (%)                                                                                            3,22,52,5
Preço médio do barril de petróleo (US$)                                                                                  42,344,646,2
Salário mínimo (R$)                                                                                                     1.0881.1231.163
Taxa de câmbio média (R$/US$)                                                                                        5,35,1 5,0
*Fontes: Ministério da Economia e parecer do senador Irajá (PSD-TO) ao PLN 9/2020

Gastos com pessoal

As projeções de gastos com pessoal apresentadas pelo governo contemplam os reajustes concedidos aos militares em 2019 e outros aumentos na despesa com pessoal e encargos sociais autorizados pelo Orçamento de 2020 (Lei 13.978). Flávio Luz lembra que não há previsão de concessão de reajuste aos servidores civis, proibida pela Lei Complementar 173 de 2020.

Outra inovação, segundo o consultor, foi a autorização diretamente pela LDO para o preenchimento, através de concurso, de cargos efetivos que estavam ocupados até março desde ano. Isso poderá ser feito desde que as vagas não tenham sido abertas por aposentadoria ou morte. Para os cargos em comissão, funções e gratificações, o projeto exige que haja recursos no Orçamento.

No que diz respeito ao limite das despesas com pessoal, previsto na LFR, serão desconsiderados os pagamentos ao pessoal contratado por tempo determinado para atender interesse público excepcional e os destinados a mão de obra e serviços de terceiros, desde que não substituam servidores ou empregados públicos.

Orçamento

A função da LDO é definir as metas e prioridades da administração federal, orientar a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), tratar das alterações das normas tributárias, fixar parâmetros para as despesas dos Poderes e autorizar aumentos nos gastos com pessoal. Além disso, a lei deve conter também as metas de resultado primário, com equilíbrio entre receitas e despesas, as transferências aos setores público e privado e o contingenciamento de recursos.

Embora a LDO oriente a elaboração do Orçamento para o ano seguinte, é na LOA que estão detalhadas as fontes de receitas e as despesas. No entanto, a LOA 2021 sequer começou a ser discutida no Congresso, em razão de disputa política travada ao longo do segundo semestre pela presidência e relatoria da Comissão Mista de Orçamento (CMO).

Como o atraso na instalação da CMO impede a definição do Orçamento ainda este ano para execução em 2021, o senador Irajá incluiu em seu parecer a permissão para o pagamento provisório de despesas correntes inadiáveis, além das despesas obrigatórias e outras previstas no projeto de Orçamento enviado pelo governo. O objetivo, segundo o relator, é garantir o atendimento a demandas básicas da sociedade.

No entanto, ele incluiu em seu parecer um limite a esses gastos temporários no próximo ano: enquanto não houver Orçamento, eles não poderão ser maiores que as despesas correntes inadiáveis. Assim, as despesas de capital e correntes que não sejam inadiáveis só poderão ser executadas se autorizadas no Orçamento de 2021.

Fonte: Agência Senado

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