Política de privacidade do WhatsApp é questionada no Ministério da Justiça e na ANPD
O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) enviou ao Ministério da Justiça e à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) um documento de 20 páginas em que pede a suspensão da mudança dos termos de uso do aplicativo WhatsApp, prevista para 15 de maio.
A política já é objeto de investigação sigilosa na Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), da Justiça, e a ação do Idec será considerada, de acordo com a pasta.
Na notificação, o instituto requer que as autoridades determinem ao WhatsApp “que se abstenha de limitar envio e leitura de mensagens” dos usuários que rejeitem os novos termos de uso.
Solicita, ainda, que o aplicativo não repasse dados a outras empresas do grupo econômico Facebook, do qual pertence, para fins de publicidade, marketing e analytics e de melhoria do produto.
Desde 2016, Instagram e Facebook recebem dados de WhatsApp dos usuários — os chamados metadados, que nada têm a ver com o conteúdo de mensagens. São exemplos o tipo de aparelho celular, a frequência de uso do app por cada pessoa, o nome dos grupos aos quais pertence, o nome, entre outros.
Esses dados agregados a outros rastros deixados no Facebook e no Instagram ajudam a formar perfis detalhados sobre as pessoas, o que facilita a segmentação de anúncio publicitário (modelo de base de Instagram e Facebook).
A política de compartilhamento entre as três plataformas voltou ao debate porque, agora, quem não compactuar com os termos do WhatsApp não poderá mais usar o aplicativo. A mudança é global e, no Brasil, acontece após o Banco Central autorizar que os usuários façam transferências bancárias por meio do WhatsApp. Dessa maneira, quem não consentir, fica também fora desse tipo de transação.
O prazo final para a aceitação desses termos era janeiro, mas depois de repercussão negativa, gerada por reações de entidades civis, o aplicativo adiou a política para 15 de maio, e ampliou os esclarecimentos sobre as mudanças.
O Idec menciona que o compartilhamento foi instaurado quando o Brasil ainda não dispunha de uma lei de proteção de dados. Em 2021, o cenário é outro. A legislação tem 10 bases legais, como legítimo interesse e consentimento, que devem justificar a finalidade da coleta de dados e requerer autorização das pessoas
Para a instituição, pela lei, o Facebook deveria apresentar identificação específica do interesse legítimo para compartilhar dados do WhatsApp com Facebook e Instagram, demonstrar que o compartilhamento é estritamente necessário para atingir uma finalidade legítima, além de equilibrar interesses, direitos e liberdade do titular dos dados, no caso usuários de WhatsApp.
“Não está clara a base que explica o compartilhamento de dados entre as empresas. É para melhorar algoritmo do Instagram? É para fins de segurança do usuário? Eles citam que coletam dados como IP, de conexão, mas não são tão explícitos sobre quais dados compartilham entre as empresas”, diz Juliana Oms, uma das autoras do documento.
As alterações nos termos da empresa se referem, principalmente, a explicações sobre os tratamentos de dados já realizados e informação sobre coleta e compartilhamento de dados provenientes de serviços que não existiam anteriormente, como o Facebook Pay, programa de pagamentos.
Outro ponto, considerado o mais crítico pelos advogados, é a oferta do serviço Facebook Inc., que dará possibilidade de o Facebook gerenciar a comunicação do WhatsApp Business.
O Business é a versão comercial do aplicativo, em que marcas conversam com consumidores de forma automatizada ou não. O Facebook vai oferecer um serviço para gerenciar essas conversas, como se fosse um terceirizado de telemarketing de uma empresa tradicional.
“Suponha que uma loja como a Americanas contrate o Facebook [para gerenciar as contas comerciais]. O Facebook passa a ler a conversa do WhatsApp. Isso ainda não foi anunciado, mas precisamos de um compromisso claro do que será feito com essas conversas”, acrescenta Juliana.
O Facebook não deve usar isso para motivações próprias, segundo envolvidos na implementação. O grupo também não passará a realizar anúncios no mensageiro.
Quando o Facebook comprou o WhatsApp, em 2014, Mark Zuckerberg, já pressionado por questões de antitruste, afirmou a alguns reguladores que não mudaria o modelo de negócios da plataforma de conversas. No mensageiro, o usuário não é considerado um produto, como é no Facebook e no Instagram —onde entram gratuitamente mas têm os dados pessoais usados para fins publicitários.
Pesquisadores que acompanham o assunto criticam que, quando essa política de compartilhamento é alterada, à medida que o aplicativo ganha uma escala de dominância no Brasil (com quase 100% de smartphones com o app instalado), há uma quebra de expectativa e um aspecto de concorrência a ser considerado.
Entidades de proteção de dados defendem modelos de controle de privacidade granulares, em que a pessoa tem opções de configuração sobre o que pode ou não ser coletado. Em aplicativos como Uber, no Google ou mesmo no Facebook, é possível dizer sim a algumas coletas e não a outras.
Na opinião do Idec, o novo modelo do WhatsApp é um “consentimento forçado”, no estilo “aceite tudo ou vá embora”, o que se torna agressivo diante da adesão de brasileiros à plataforma, incorporada à rotina de trabalho e de comunicações de mais de 120 milhões de brasileiros.
“É preciso mais discussão pública e transparência. O debate em 2021 não pode ter a política de 2016 no centro, agora temos a LGPD. A questão é qual nosso poder sobre os dados e como vamos reforçar nossa capacidade de controle dos dados”, afirma o professor Bruno Bioni, fundador do Data Privacy Brasil.
Autoridades de outros países estão se opondo às mudanças desde 2016. Na Itália e na Espanha, o Facebook já foi multado por induzir os usuários do WhatsApp a aceitar integralmente os novos termos de uso. Índia e Turquia também brigam contra o compartilhamento.
Em nota, o WhatsApp diz que está à disposição para prestar os esclarecimentos necessários às autoridades competentes e reforça que atende às legislações de proteção de dados aplicáveis, incluindo a LGPD no Brasil.
“É importante ressaltar que a atualização anunciada em janeiro de 2021 não amplia a capacidade do WhatsApp compartilhar dados com o Facebook, que já existia e estava prevista desde 2016, e não impacta como as pessoas se comunicam de forma privada com seus amigos e familiares em qualquer lugar do mundo. O WhatsApp permanece totalmente comprometido com a proteção da privacidade das pessoas”, afirma.
As informações são da Folha de São Paulo