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São Paulo tem mais de 350 famílias removidas só no primeiro trimestre

Pelo menos 354 famílias foram removidas de suas casas no estado de São Paulo no primeiro trimestre deste ano, em um momento de crescimento da chamada segunda onda da pandemia de covid-19. E há mais 8.463 famílias ameaçadas de remoção, informa o Observatório de Remoções, do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), unidade de pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

De janeiro a março, o observatório mapeou 49 casos envolvendo remoções e ameaças que ocorreram principalmente na região metropolitana da capital, além de dois casos no interior do estado, um em Ribeirão Preto e outro em São José dos Campos.

Dentre os 49 casos, dez foram remoções, sendo seis remoções totais – de todo o assentamento – e quatro, parciais, restando famílias ameaçadas no local. Nos 39 casos restantes, existe a possibilidade de as famílias serem removidas a qualquer momento.

“Os prejuízos das remoções são enormes. Tem esse requinte de crueldade de fazer a remoção em uma pandemia, em que temos uma emergência sanitária. Isso é muito cruel. Muito antes da pandemia, uma remoção envolve inúmeros prejuízos, não só os prejuízos materiais, da casa em si, da construção, dos materiais que foram utilizados, de móveis que muitas vezes são perdidos, mas também prejuízos dos vínculos que essas pessoas tinham nesse território”, disse Aluizio Marino, pesquisador do LabCidade.

Entre os vínculos citados pelo pesquisador, estão as redes de apoio das famílias, como amigos e parentes e os que se referem a equipamentos públicos, nas áreas de saúde e educação. “Uma remoção é sempre um processo de violência, de mutilação muito grande, não só patrimonial, mas também no âmbito da subjetividade, da cidadania”, acrescentou.

Segundo os pesquisadores do LabCidade, esses números chamam a atenção quando comparados com os do primeiro trimestre de 2020, momento em que a pandemia estava apenas começando no país. No mesmo período do ano passado, foram registradas apenas três remoções e 23 famílias estavam ameaçadas de ter que deixar sua casa.

“Justamente no período em que as medidas de distanciamento social foram reforçadas em todo o estado de São Paulo, mais pessoas estão sendo retiradas à força de suas moradias sem que seja garantida alguma alternativa habitacional – muito menos uma alternativa que seja definitiva”, destaca, em nota, o Observatório de Remoções.

STF

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou na última quinta-feira (3) a suspensão, por seis meses, de ordens ou medidas de desocupação de áreas que já estavam habitadas antes de 20 de março do ano passado, quando foi aprovado o estado de calamidade pública devido à pandemia.

De acordo com a decisão, ficam impossibilitadas “medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis”.

Para o ministro, a primeira premissa da decisão é que, “no contexto da pandemia da covid-19, a tutela do direito à moradia funciona como condição de realização do isolamento social e, por conseguinte, para o enfrentamento da doença”.

“A segunda delas é que a atuação estatal deve ser orientada no sentido de prover atenção especial a pessoas em situação de vulnerabilidade, que são mais propensas a contrair o vírus. A terceira premissa é que, diante da situação de crise sanitária, deve-se conferir absoluta prioridade a evitar o incremento do número de desabrigados”, acrescentou Barroso.

O ministro deferiu parcialmente medida cautelar em uma ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, a ADPF 828, apresentada pelo PSOL para evitar que remoções e desocupações coletivas violem os direitos à moradia, à vida e à saúde das populações envolvidas. Segundo Barroso, o prazo de seis meses, a partir da decisão, pode ser estendido, caso a situação de crise sanitária continue.

Para o pesquisador do LabCidade, a decisão é importante, considerando que, em uma pandemia, as pessoas têm que ficar em casa. Por isso, é preciso ter uma casa onde ficar. Marino lamenta que a medida tenha vindo após um ano do início da pandemia. “O despejo é muito impensado nesse período de pandemia. Uma pena que isso seja nesse momento. Não foi por falta de avisos, de demandas de movimentos sociais, de instituições que estão vinculadas à luta pelo direito à moradia e pelos direitos humanos”, disse Marino.

Na opinião do pesquisador, essa medida isolada não é suficiente e é preciso avançar na política pública de moradia. “Temos que discutir uma política de habitação para além apenas de uma política de não remoção, de não despejo. Precisamos falar de uma política de habitação entendendo a moradia como um direito e não como um produto que vai ser negociado pelo mercado.”

“As últimas experiências todas partem desse padrão: da unidade habitacional fornecida pelo mercado imobiliário, muitas vezes, o Estado subsidiando uma parte disso, mas a maioria do acesso é via mercado, e isso faz com que nem todas as pessoas tenham condição de acesso a uma moradia”, disse Marino.

Dificuldades em atingir os critérios para conseguir financiamento e se enquadrar nas exigências do mercado impedem que pessoas que estão, por exemplo, em trabalho informal consigam adquirir uma habitação. “Então, não é suficiente, é preciso debater de forma mais ampla uma política de moradia e também não só para a pandemia, para além desse período.”


Com informações da Agência Brasil

Guilherme Peara

Advogado e empresário na área da Comunicação. Graduado em Direito pela PUC Goiás, pós-graduado em Gestão Estratégica de Marketing pela HSM University.

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