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Regime Centralizador de Execuções é procedimento específico para clubes de futebol se tornarem SAF

O termo “regime centralizado de execuções” obteve destaque diante do recente noticiário sobre a situação econômica do Corinthians.

Para explicar o que envolve este regime, abreviado para RCE, o advogado especializado em estruturação de negócios e recuperação de empresas, Renato Scardoa, responde questões-chave sobre o assunto.

Scardoa é sócio de Ricardo Del Sole no SDS Advogados, escritório que atua na reorganização de empresas em dificuldades e os orienta sobre como lidar em situações de recuperação judicial das empresas líderes das cadeias de valor das quais são fornecedoras.

Nos últimos dois anos, esteve à frente de movimentos de credores de Americanas, Oi, 123 Milhas, entre outros grandes casos.

A informação do regime centralizado de execuções do Corinthians é novidade?

Renato Scardoa – Não. O clube já estava em RCE há vários meses. A novidade é usar isso para sustar um movimento político.

Cada vez mais temos clubes recorrendo ao RCE. Por quê?

Scardoa – Ou é isso, ou vão precisar ir para a recuperação judicial. Ambas são estratégias contra estrangulamento de caixa.

A RCE pode ser vista como uma medida menos grave porque – como instrumento previsto em lei – é o recurso mais rápido e menos complexo que a recuperação judicial, e possibilita um clube se organizar contábil e financeiramente, sem precisar por um processo mais duro.

Temos algum caso conduzido dessa maneira?

Scardoa – Claro. Botafogo, Vasco e Portuguesa de Desportos passaram longo tempo em RCE, conseguiram organizar adequadamente seus números, ter seu valor tangibilizado de forma que potenciais compradores pudessem conhecer a situação e montar ofertas de aquisição dos clubes.

Existe algum ponto jurídico controverso nesse caso?

Scardoa – Para parte da doutrina, se entende que somente os clubes que optaram por constituir uma SAF poderiam se valer da RCE. Na nossa compreensão, essa é uma interpretação equivocada. Em que pese a nomenclatura imprecisa utilizada pelo legislador – clube ou pessoa jurídica original que poderia dar margem a interpretação à necessidade da constituição uma pessoa jurídica derivada, ou seja, de uma SAF – o artigo 1º, §1º, I da Lei das SAFs é expresso ao definir o que abrange os termos clube, como as associações esportivas, formato jurídico mais comum, e pessoa jurídica originária, as sociedades empresárias que exploravam o futebol antes da Lei das SAFs, formato jurídico verificado em raríssimos casos.

Não há em qualquer artigo da lei a imposição expressa da constituição de uma SAF. Essa construção doutrinária, a meu ver, ignora por completo o princípio constitucional da legalidade, em que ninguém é obrigado a fazer algo, a não ser por disposição de lei.

Os tribunais já têm se posicionado de maneira acertada, seguindo o texto expresso da lei, ou seja, não impondo a necesidade da constituição de SAF, como nos casos de Vasco, Santos e Fluminense. De toda forma, essa matéria ainda não chegou no STJ, o que gera uma apreensão sobre a definição da matéria.

Por que cada vez mais clubes pensam em ir para o regime de SAF?

Scardoa – Se por um lado, o RCE e as recuperações, judiciais e extrajudiciais, se apresentam como um remedio amargo para viabilizar o pagamento organizado e programado de credores, ou seja, são mecanismos para uma solução pontual.

De outro lado, a constituição das SAFs se mostra como uma forma de evitar que novas crises financeiras voltem a ocorrer, acreditando-se que com a SAF seja possível criar uma governança mais profissional, distanciada das pressões da efervescência política amadora de grande parte dos clubes.

Ao nosso ver, a constituição de SAFs é mais uma opção para melhorar a governança de um clube, mas não é a única.

Neste ano, a final da Copa Libertadores foi disputada por duas SAFs, Atlético Mineiro e Botafogo, que pode gerar uma interpretação precipitada de que a SAF é a única salvação. Mas não podemos ignorar que temos importante SAF lutando contra o rebaixamento, Bragantino, e que quando ampliamos o recorte, identificamos que os dois clubes que mais ganharam títulos nos últimos 10 anos, Palmeiras e Flamengo são associações saudáveis que encontraram caminhos próprios para se reestruturarem e terem gestão profissional, que lhes garantem não só o sucesso desportivo mas também o topo do ranking em arrecadação e desempenho financeiro.

O número de agremiações que estão com as contas estressadas é cada vez maior, mas cada uma deve encontrar seu caminho de uma gestão mais profissional que não lhes coloque em situações financeiras temerárias. Esse caminho pode ser através da constituição de uma SAF ou não, devendo ser analisado caso a caso.

Guilherme Peara

Advogado e empresário na área da Comunicação. Graduado em Direito pela PUC Goiás, pós-graduado em Gestão Estratégica de Marketing pela HSM University.

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