Usucapião Rural Extrajudicial: facilidades que preocupam
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), configurada no
Decreto Lei nº 4.657/1942, estabelece em seu artigo 3º que “Ninguém se escusa de
cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Contudo, frente ao enorme emaranhado
que compõe o nosso arcabouço legal, até mesmo profissionais do Direito estão
sujeitos à ignorância de uma ou outra regra. Com a gente mais humilde e menos
letrada, o desconhecimento da lei adquire proporções inimagináveis. É o que
ocorre no caso da usucapião, em especial a de natureza rural.
A Lei nº 13.465/2017, que resulta da Medida Provisória (MP) nº 759/2016,
produziu modificações na política urbana brasileira, com foco na regularização
de núcleos urbanos informais, e também nos localizados em áreas rurais, um dos
maiores problemas do nosso mercado imobiliário. A Lei, visando inclusão social e
segurança jurídica, criou o REURB – Regularização Fundiária Urbana, que autoriza
a legalização desses aglomerados informais, permitindo a usucapião extrajudicial
como princípio de desburocratização, em todas as suas modalidades.
A Lei admite a regularização de posses, já consolidadas pela usucapião
extraordinária, ordinária e especial (urbana ou rural) diretamente em cartório,
sem necessidade de enfrentar longos processos judiciais. Trata-se de inusitado
atalho legal, que transforma décadas de ocupação pacífica em propriedade
formalizada. A fim de facilitar ainda mais a sua utilização, o CNJ – Conselho
Nacional de Justiça editou o Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017,
estabelecendo algumas diretrizes que facilitam os procedimentos para a usucapião
extrajudicial.
No entanto, apesar de sua relevância, essa prerrogativa continua pouco conhecida
e raramente utilizada. Isso alimenta um paradoxo: um direito constitucional de
grande impacto social e econômico continua invisível para boa parte dos
agricultores e para o mercado imobiliário. Antes da Lei nº 13.465/2017, a
obtenção da propriedade por meio da usucapião passava necessariamente pela
burocracia do judiciário. Com a Lei, o procedimento pode ser apenas
administrativo, conduzido pelo cartório de Registro de Imóveis, ágil e
simplificadamente.
Não havendo impugnações, a regularização pode se dar em meros 180 dias. Contudo
poucos têm utilizado o Provimento 65/CNJ. Os requisitos para a usucapião
especial rural são claros e acessíveis: posse mansa e pacífica por pelo menos
cinco anos, área de até 50 hectares, uso produtivo da terra voltado ao sustento
da família e a inexistência de outro imóvel urbano ou rural em nome do
requerente. Esses critérios refletem a função social constitucional da
propriedade e buscam garantir que a terra seja sempre utilizada de forma justa e
produtiva.
Para o mercado imobiliário, a formalização de propriedades rurais amplia a
oferta de terras com títulos válidos, reduz litígios e oferece segurança
jurídica. Áreas legais podem ser objeto de comercialização, sucessão familiar
regular e até de financiamento. Porém, há suspeitas de que, em regiões ermas, a
usucapião especial rural esteja sendo usada pelo crime organizado para
legalização de rotas destinadas ao narcotráfico. Fica a dúvida: há alguma
intenção escusa nas facilidades criadas pela Lei e pelo provimento 65 do CNJ?