Nos últimos anos, a recuperação judicial tem sido uma das ferramentas mais utilizadas por empresas em dificuldades financeiras no Brasil, permitindo-lhes reestruturar suas dívidas e evitar a falência.
No entanto, um aspecto interessante foi observado: o enfraquecimento da efetividade do instituto recuperação judicial e o crescimento do uso de outras estratégias de reestruturação empresarial, como o turnaround.
Esse movimento está diretamente relacionado às mudanças no cenário econômico, à complexidade dos processos judiciais e à busca por soluções mais rápidas e eficazes para a superação da crise empresarial.
A recuperação judicial é um procedimento legal previsto na Lei 11.101/2005, cuja finalidade é permitir que empresas em crise financeira possam se reorganizar e continuar suas atividades, evitando a falência.
Para tanto, a empresa deverá apresentar um plano de recuperação, que será analisado pelos credores e homologado pelo juiz responsável.
Esse processo oferece uma série de benefícios, como a suspensão das ações de execução e a possibilidade de negociar dívidas de forma mais vantajosa.
Apesar de ser uma ferramenta legal importante e que teve um aumento significativo nos últimos semestres, a recuperação judicial tem enfrentado uma série de dificuldades nos últimos anos.
O aumento da complexidade dos processos, a morosidade judicial, a falta de confiança nos resultados e as dificuldades na negociação com credores são contribuídas para o enfraquecimento da utilização desse instituto. Algumas das principais razões para isso incluem:
1. Excesso de burocracia e morosidade: o processo de recuperação judicial exige a aprovação do plano de recuperação por uma maioria dos credores e a homologação pelo juiz. Esse processo pode ser demorado e pode envolver uma quantidade excessiva de formalidades, o que gera incertezas quanto ao sucesso da recuperação.
2. Impossibilidade de cumprimento do plano de recuperação: em muitos casos, as empresas em crise não conseguem implementar os planos de recuperação judicial aprovados, o que resulta em um cenário de falência. Isso ocorre principalmente pela falta de um diagnóstico realista da situação da empresa e de um planejamento adequado.
3. A perda de credibilidade: muitos empresários e investidores perderam a confiança nos efeitos da recuperação judicial, especialmente quando a empresa apresenta um histórico de dificuldades financeiras prolongadas. A incapacidade de garantir um resultado eficaz levou a uma diminuição do uso dessa ferramenta.
O turnaround como alternativa
Diante das dificuldades impostas pela recuperação judicial, muitas empresas têm buscado alternativas mais ágeis e práticas para superar a crise: o turnaround. O turnaround é uma estratégia de gestão empresarial definida para a recuperação de empresas em dificuldades financeiras, focada na análise detalhada da situação da empresa e na implementação de mudanças específicas no modelo de negócios, gestão e operações.
Ao contrário da recuperação judicial, que depende de um processo judicial formal, o turnaround é uma abordagem mais flexível, baseada na capacidade da empresa de se reestruturar sem recorrer ao sistema judiciário. Esse modelo se baseia em uma série de ações práticas, como:
1. Revisão da estrutura de custos: a redução de custos operacionais e a otimização da estrutura financeira são passos fundamentais para uma recuperação eficaz. Identificar áreas de desperdício e implementar mudanças para melhorar a eficiência é um primeiro passo crucial.
2. Reestruturação de dívidas: o turnaround também pode envolver a negociação direta com credores, de forma a estabelecer condições mais desenvolvidas para o pagamento das dívidas. Isso permite uma maior flexibilidade, sem a necessidade de recorrer ao longo e incerto processo de recuperação judicial.
3. Mudanças no modelo de negócios: uma análise crítica do modelo de negócios pode revelar a necessidade de diversificação de produtos, ajustes no portfólio de serviços e até mesmo mudanças estratégicas que permitiram à empresa se recuperar e voltar a crescer.
A ascensão do turnaround como estratégia de recuperação empresarial pode ser atribuída a vários fatores.
No início, uma crise econômica global, agravada pela pandemia de COVID-19, trouxe uma série de desafios para as empresas, que passaram a buscar soluções mais rápidas e eficazes.
Em segundo lugar, a complexidade do ambiente regulatório brasileiro, caracterizada por altos custos tributários e uma burocracia judicial excessiva, tem levado os empresários a evitarem socorreram ao judiciário, preferindo buscar alternativas que ofereçam mais flexibilidade e controle sobre o processo de reestruturação.
O turnaround também ganhou destaque devido ao fato de ser um processo privado, onde o controle permanece nas mãos dos gestores da empresa, sem a intervenção direta do judiciário.
Isso possibilita uma maior agilidade na implementação de mudanças e, muitas vezes, resulta em uma recuperação mais rápida e eficiente.
Além disso, o turnaround permite uma abordagem mais personalizada para cada empresa, considerando suas características específicas, ou que não ocorra com uma recuperação judicial, que tende a ser mais padronizada.
Embora a recuperação judicial continue sendo uma ferramenta importante no contexto empresarial brasileiro, o enfraquecimento na credibilidade desse instituto e o aumento da popularidade do turnaround refletem uma mudança significativa nas estratégias de gestão de empresas em crise.
O turnaround oferece uma alternativa mais flexível, menos burocrática e, muitas vezes, mais eficaz para o soerguimento das empresas, permitindo-lhes superar a crise sem depender das complexidades e incertezas do processo judicial.
Assim, empresários, investidores e gestores devem estar atentos a essa mudança de paradigma, considerando o turnaround como uma opção viável para a recuperação empresarial.
A regulamentação bem-sucedida de uma empresa depende da capacidade de adaptação e da implementação de estratégias assertivas, sejam elas dentro ou fora do âmbito judicial.
* Murilo Mendes Latorre Soares é advogado no Granito Boneli Advogados, especialista em Direito Processual Civil e bacharel em Direito pela PUC- Campinas