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Fundador das Casas Bahia é acusado de abuso sexual

Uma história de violência sexual na infância marcou para sempre a trajetória de Karina Lopes Carvalhal, hoje com 40 anos.

Conforme relatou à reportagem, aos 9 anos, ela soube pelas irmãs que um grande empresário de sua cidade natal, São Caetano do Sul (SP), dava dinheiro e presentes a menores de idade que fossem à sede da empresa na av. Conde Francisco Matarazzo, número 100.

À época com 12 anos, a irmã mais velha de Karina avisou que ela poderia conseguir um tênis novo se fosse até lá. Animada, ela topou. “Eu não tinha um tênis pra pôr, usava o das minhas irmãs, meus dedos eram todos tortos.” 

Karina subiu até o andar da presidência e lembra que esperou algum tempo até ser chamada ao escritório particular do dono.

Quando ele surgiu, ela ficou surpresa ao ver um senhor de idade já na casa dos 70 anos, que pediu que ela se aproximasse.

“Minha irmã tinha me dito: ‘Ká, não se assuste porque ele vai te dar um beijinho’.

Mas ele me cumprimentou e já passou a mão nos meus peitos. Ele dizia: ‘Ah, que moça bonita. Muito linda’”, ela relembra, imitando o sotaque polonês do empresário Samuel Klein, fundador da Casas Bahia.

Ao sair dali, ela conta que sentiu alívio, levando consigo uma quantia em dinheiro e um tênis da marca Bical. Era 1989.


“A gente ficava contente que tinha ganhado um tênis. Não tínhamos noção dessa situação de violência”, avalia Karina ao falar com exclusividade à Pública sobre a história de sofrimento pessoal que guardou durante tanto tempo.

Ela diz que a possibilidade de conseguir outros bens materiais a fez voltar nas semanas seguintes ao encontro de Samuel.

Mas nas novas visitas, de acordo com Karina, as situações de exploração sexual ganharam escala e viraram rotina. “A segunda vez, ele já me levou pro quartinho.”

Ela conta que o empresário mantinha um quarto anexo ao seu escritório, onde havia uma cama hospitalar. Era ali que ocorriam os abusos. Ainda segundo Karina, foi ali que ela foi violentada sexualmente pela primeira vez aos 9 anos.

Não demorou para que Karina largasse os estudos na Escola Professora Eda Mantoanelli, em São Caetano do Sul.

“Como meu pai me batia muito, eu ia matar aula e tinha que ficar em algum lugar.” E, na rua, Karina virou dependente química de crack e fez uso da substância por uma década, até engravidar da primeira filha, aos 19 anos. 

Karina não sabe precisar, mas estima que a relação de dependência emocional e financeira por meio da exploração sexual exercida por Samuel foi de 1989 até meados dos anos 2000.

“Eu vejo agora que eu não tive estudo, não tive infância, não tive meios, não tive ninguém pra cuidar de mim. Se uma pessoa tira a sua infância, seus estudos, a sua casa, você fica sem chão.” 

Karina não teria sido a única a ser aliciada e explorada sexualmente por Klein.

Funcionários ouvidos pela reportagem confirmaram que eram frequentes os pagamentos em dinheiro e produtos às chamadas “samuquetes”, apelido dado as “meninas do Samuel”.

A Agência Pública ouviu mais de 35 fontes, entre mulheres que o acusam de crimes sexuais, advogados e ex-funcionários da Casas Bahia e da família, consultou processos judiciais e inquéritos policiais, teve acesso a documentos, fotos, vídeos de festas com conotação sexual e declarações de próprio punho das denunciantes.

Além de gravações em áudio que indicam que, ao menos entre o início de 1989 e 2010, Samuel Klein teria sustentado uma rotina de exploração sexual de meninas entre 9 e 17 anos dentro da própria sede da Casas Bahia, a icônica loja no centro de São Caetano do Sul, e em imóveis de sua propriedade situados na Baixada Santista e no município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

O empresário teria organizado um esquema de recrutamento e transporte de meninas, com uso de seus helicópteros particulares, que teria contado até mesmo com a participação de seus funcionários, para festas e orgias acobertadas com pagamentos às meninas e familiares com dinheiro e produtos das lojas espalhadas pelo país.

Além do dinheiro e produtos, algumas meninas ganhavam cestas básicas para ajudar no sustento de suas famílias.

Relatos de funcionários

Os relatos sobre as explorações praticadas pelo “rei do varejo” mostram semelhanças com as práticas de Saul Klein. Ele é investigado pelo MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) por aliciamento e estupro de dezenas de mulheres.

Uma ex-gerente da rede varejista, identificada na reportagem como Josilene (nome fictício) contou que tanto pai como filho usavam o caixa das lojas para os pagamentos. Josilene trabalhou na loja da Casas Bahia na Vila Diva, zona leste de São Paulo, de 2005 a 2008.

De manhã tocava o telefone: ‘Aqui é da parte do dr. Samuel ou do dr. Saul, e precisa separar tanto pro final do dia’. Então a gente ia no caixa, conversava, e as caixas iam separando o que entrava em dinheiro. E no final as meninas passavam e retiravam os valores”, disse.

“Eram meninas de diversas regiões. As que vinham lá eram umas 3 ou 4 por semana, na faixa aí dos 16, 17 anos. Eram menores.”

Em 2010, a empresa foi condenada em diversas ações trabalhistas. Em 7 delas, os funcionários pediram indenização por danos morais em razão de situações vexatórias vividas no trabalho. Segundo eles, eram obrigados a pagar mulheres que, geralmente, traziam bilhetes escritos por Samuel ordenando pagamentos em dinheiro e em produtos.

A assessoria da família Klein se manifestou por meio de nota. Eis a íntegra:

É com enorme tristeza que a família Klein tomou conhecimento da publicação de matéria sobre Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, falecido em 2014. Imigrante polonês, judeu e sobrevivente do Holocausto, ele sempre ensinou que é preciso muito trabalho e coragem para enfrentar os desafios da vida. É uma pena que ele não esteja vivo para se defender das acusações mencionadas. Sobre os dois processos em andamento, correm em segredo de Justiça e as decisões serão acatadas.


As informações são da Agência Pública e do Poder 360.

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