Golpe de investimento falso: Justiça condena dupla que aplicou golpe de R$ 1,7 milhão em Goiânia
Rozilda Costa Braga e Laila da Silva Menezes foram condenadas a 8 anos em regime semiaberto por estelionato após enganarem vítimas com promessa de lucros irreais em suposto esquema de quitação de empréstimos consignados

GOIÂNIA – A 4ª Vara Criminal de Goiânia condenou duas mulheres que aplicaram um sofisticado golpe financeiro entre 2021 e 2023, causando prejuízo total de aproximadamente R$ 1,78 milhão a oito vítimas. Rozilda Costa Braga e Laila da Silva Menezes foram condenadas a 8 anos de reclusão em regime semiaberto cada uma, além do pagamento de 80 dias-multa, pelo crime de estelionato.
A sentença, proferida pelo juiz Liciomar Fernandes da Silva em outubro de 2025, detalha como as acusadas se aproveitaram de laços de amizade para convencer as vítimas a investir em um negócio fraudulento apresentado como “quitação de contratos de empréstimos consignados“.
O esquema: como funcionava o golpe?
Segundo a denúncia do Ministério Público de Goiás, oferecida pela promotora Ana Roberta Ferreira Fávaro, as acusadas se apresentavam como correspondentes bancárias e prometiam retornos mensais entre 8% e 12% – percentuais inexistentes no mercado financeiro legítimo.
O modus operandi era o seguinte: Rozilda e Laila explicavam às vítimas que conseguiam quitação de empréstimos consignados de terceiros com descontos vantajosos. O “investidor” entraria com o capital para essa quitação e, em troca, receberia uma comissão sobre o desconto obtido.
“Funcionava assim: elas arrumavam contratos para quitação e, depois que eram quitados, o banco devolvia uma comissão, que era dividida com os investidores”, relatou uma das vítimas em depoimento. O problema é que esse sistema nunca existiu de fato.
Na prática, as acusadas utilizavam o dinheiro de novos investidores para pagar os rendimentos dos antigos – característica clássica de uma pirâmide financeira. Quando a entrada de novos recursos cessou, o esquema desmoronou.
Vítimas perderam economias e contraíram dívidas
Os depoimentos colhidos durante a instrução processual revelam o impacto devastador do golpe na vida das vítimas. Todas eram pessoas do círculo de amizade próximo das acusadas, o que facilitou a confiança necessária para os “investimentos”.
A vítima Amanda perdeu R$ 166.400,00. Em seu depoimento, relatou que era “melhor amiga das acusadas há mais de dez anos” e que confiava plenamente nelas. “Quando descobri, precisei levar o caso à mídia, pois até meus amigos desconfiavam de mim”, declarou.
Uma vítima contou que Rozilda tinha acesso total à sua vida financeira e a convenceu a fazer empréstimos consignados para investir no negócio. “Investi todas as minhas economias. Estava guardando para trocar de carro e nunca tinha viajado justamente para juntar dinheiro”, disse emocionada. Hoje, sua conta-salário está bloqueada devido às dívidas contraídas.
Outra vítima afirmou que foi uma das primeiras pessoas a investir, começando em 2021. Parte do dinheiro era de seus pais e ele acabou fazendo empréstimos consignados para quitar as dívidas acumuladas.
Outras vítimas incluem Lorena, Elizabete, Hernandes e outras. Além disso, existem outras vítimas que não prestaram queixa e, por isso, não foram incluídas na ação criminal.
Confissão e fuga para Londres
Quando o esquema começou a ruir em meados de 2023, as acusadas inicialmente tentaram justificar os atrasos nos pagamentos alegando bloqueios bancários e problemas com clientes inadimplentes. Inclusive, chegaram a apresentar comprovantes bancários falsos.
Em determinado momento, Laila admitiu a fraude por mensagem: “Sendo sincera, nunca tinha visto tanto dinheiro na vida, fiquei deslumbrada e gastei tudo”, relatou uma vítima sobre a confissão de Laila.
Pouco depois da descoberta do golpe, ambas fugiram para Londres, Reino Unido. Rozilda posteriormente retornou ao Brasil, enquanto Laila permanece no exterior.
Durante o processo, as duas alegaram que o negócio era real, mas que houve “má administração” dos recursos.
Decisão judicial e argumentos da defesa
A defesa das acusadas, durante as alegações finais, sustentou três teses principais: inépcia da denúncia por falta de individualização das condutas, fragilidade probatória e ausência de dolo específico, argumentando que se tratava de mero inadimplemento contratual ou negócios malsucedidos.
Todas as preliminares foram rejeitadas pelo juiz Liciomar Fernandes da Silva. Na sentença, ele destacou que “o conjunto probatório é robusto, completo e convergente, apontando inequivocamente para a autoria e materialidade do crime imputado”.
O magistrado enfatizou que as acusadas prometiam retornos entre 8% e 12% ao mês, “sabendo que eram irrealizáveis e insustentáveis”. Segundo a decisão, “a continuidade do esquema fraudulento dependia da constante adesão de novas vítimas”, característica típica de pirâmide financeira.
A defesa também pleiteou o reconhecimento de arrependimento posterior (artigo 16 do Código Penal), argumentando que as acusadas vinham pagando parcialmente as dívidas. O pedido foi negado porque a lei exige reparação integral do dano antes do recebimento da denúncia, o que não ocorreu. Além disso, o juiz considerou que os pagamentos não foram espontâneos, mas resultado de pressão das vítimas.
Condenação em concurso material
As acusadas foram condenadas por oito crimes de estelionato (artigo 171 do Código Penal), um para cada vítima, em concurso material (artigo 69 do Código Penal). Isso significa que as penas foram somadas, resultando em 8 anos de reclusão para cada uma.
O estelionato é definido como obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício, ardil ou fraude. A pena varia de 1 a 5 anos de reclusão, além de multa.
Na dosimetria da pena, o juiz fixou a pena-base em 1 ano de reclusão para cada crime, mantida nas fases seguintes por não haver agravantes ou atenuantes aplicáveis. Com o concurso material, as penas foram somadas, totalizando 8 anos.
O regime inicial foi fixado como semiaberto, conforme o artigo 33, §2º, “b”, do Código Penal, que determina esse regime para penas superiores a 4 anos e não superiores a 8 anos, quando o réu não é reincidente.
Medidas cautelares e direito de recorrer em liberdade
Apesar da condenação, ambas as acusadas podem recorrer em liberdade, mas com determinadas condições:
Rozilda Costa Braga, que está no Brasil, teve a retenção de passaporte determinada judicialmente. A medida visa impedir que a acusada deixe o país enquanto o processo não transitar em julgado. O juiz comunicou a Polícia Federal para inclusão da restrição nos sistemas de controle migratório.
Laila da Silva Menezes, que permanece em Londres, deve apresentar comprovante de endereço atualizado, e-mail e telefone de contato, sob pena de decretação de prisão preventiva com inclusão na difusão vermelha (red notice) da Interpol.
O magistrado advertiu que “o descumprimento injustificado das medidas ora impostas poderá ensejar a decretação de sua prisão preventiva”.
Reparação de danos às vítimas
Além das penas privativas de liberdade, a sentença fixou valores mínimos para reparação dos danos causados a cada vítima, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.
Durante o processo, ficou demonstrado que algumas vítimas já vinham recebendo pagamentos parciais das acusadas desde antes do oferecimento da denúncia.
Entretanto, o juiz ressaltou que esses pagamentos não caracterizam arrependimento posterior, pois não foram espontâneos e não representam a quitação integral dos débitos.
Representantes do Ministério Público e advogados que atuaram no caso
O processo contou com a atuação da promotora de justiça substituta Ana Roberta Ferreira Fávaro, que ofereceu a denúncia em janeiro de 2025. A acusação destacou a gravidade do delito, o número de vítimas e o considerável valor dos prejuízos como fundamentos para não propor acordo de não persecução penal.
Porteriormente, após o caso ser redistribuído para a vara de crimes punidos com reclusão e detenção, o promotor de Justiça Lauro Machado Nogueira passou a representar o Ministério Público nessa ação.
As defesas das acusadas foram conduzidas pela advogada Fernanda Martins Albuquerque Soares. As teses de defesa focaram na alegada ausência de individualização das condutas, fragilidade probatória e na caracterização dos fatos como mero inadimplemento contratual.
Também atuou no caso o advogado Guilherme Peara Pereira Araújo, como assistente de acusação da vítima Hernandes Miranda Cruz, que solicitou medidas cautelares contra as acusadas logo no início do processo e, posteriomente, nas contrarrazões aos embargos de declaração interpostos pela acusadas.
Contexto: golpes financeiros e educação do consumidor
O caso ilustra um tipo de fraude que tem se tornado cada vez mais comum no Brasil: esquemas que prometem retornos financeiros muito acima da média do mercado, aproveitando-se da confiança pessoal e do desconhecimento das vítimas sobre investimentos.
Especialistas em educação financeira alertam que qualquer promessa de retorno mensal superior a 1% já deve ser vista com desconfiança. Retornos de 8% a 12% ao mês, como prometidos no caso, são simplesmente inexistentes em investimentos legítimos.
Outro aspecto relevante é a informalidade do suposto negócio. As acusadas operavam sem CNPJ, sem registro em órgãos reguladores como o Banco Central ou a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e todos os “contratos” eram verbais, documentados apenas por mensagens de WhatsApp e comprovantes de transferência.
A Polícia Federal tem intensificado ações contra pirâmides financeiras nos últimos anos. Em 2024, a operação “Lucro Garantido” desarticulou diversos esquemas similares em todo o país, resultando em centenas de prisões e bloqueio de milhões de reais.
Próximos passos
Com a sentença condenatória publicada, a defesa ainda tem prazo para apresentar apelação ao Tribunal de Justiça de Goiás. Enquanto o processo não transitar em julgado – ou seja, enquanto houver possibilidade de recursos –, as acusadas não precisam iniciar o cumprimento da pena, desde que cumpram as medidas cautelares impostas.
Após o trânsito em julgado, serão expedidas as guias de execução penal e comunicados os órgãos competentes, incluindo o Tribunal Superior Eleitoral para suspensão dos direitos políticos das condenadas, conforme determina o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal.
As vítimas podem executar os valores fixados na sentença na esfera cível, buscando bens e patrimônio das condenadas para satisfação dos créditos.
Processo n.º 5044879-51.2025.8.09.0051 – TJGO